quarta-feira

O que os indígenas sul-americanos fizeram à Bíblia...

Em 2000 foi editado um livro titulado - As ONG(D) e a crise do Estado soberano, um Estudo de Ciência Política e Relações Internacionais, Un. Lusíada., Col. TESES, 668 págs., 2000. Peço desculpa por me citar. Prometo que não voltará a acontecer tão cedo... Descalcei as pantufas, calcei as barbatanas e entrei precisamente na pág. 160. Aí se diz, a propósito do papel das ONGs na América-Latina - sempre ao lado dos pobres e dos mais fracos que são, também, os mais crentes (não necessáriamente religiosos), - que aquilo que a sociedade civil pensa é consequência do que ocorreu há 500 anos; a invasão colonizadora sob a forma da dominação tecnológica, dos capitais que entraram para explorar a mão-de-obra barata e a abundância das matérias-primas bem como a adopção de políticas que favorecem os poderosos do império e os seus aliados a fim de subalternizarem o povo .
  • Neste quadro, uma vez que entramos na Páscoa e também porque veio a lume o tema da decadência da Europa e os valores da família (que se julgam em declínio), além do excelente contributo histórico que foi dado pelo blog Rua da Judiaria - por sugestão útil do hiper-real Jumento - recuperamos o gesto de alguns indígenas andinos para com Sua Santidade, o Papa João Paulo II. A importância do texto revela ainda um dado crucial. Questionar o papel da maior ONG do mundo: a Igreja Católica : «(…) Sintomático é o gesto de alguns indígenas andinos para com João Paulo II, quando em 1985 esteve de visita ao Peru. Máximo Flores, do Movimento Índio de Kollasuyo (Aymara), Emmo Valeriano, do Partido Índio (Aymara) e Ramiro Reynaga, do Movimento Índio Tupac Katari (Quechua) entregaram ao Pontífice uma carta. Nela escreviam: “Nós, índios dos Andes e da América, decidimos aproveitar a visita de João Paulo II para lhe devolver a sua Bíblia, porque em cinco séculos ela não nos deu nem amor, nem paz, nem justiça. Por favor, tome de novo a sua Bíblia e devolva-a aos nossos opressores, porque eles necessitam dos seus preceitos morais mais do que nós. Porque desde a chegada de Cristóvão Colombo, se impôs à América, com força, uma cultura, uma língua, uma religião e valores da Europa» . Ao explicar em público a carta, Ramiro Reynaga referiu que: «a Bíblia chegou até nós como parte do projecto colonial imposto. Ela foi a arma ideológica deste assalto colonialista. A espada que de dia atacava e assassinava o corpo dos índios, e de noite convertia-se em cruz que atacava a alma índia» . Dedicamos este texto a John Locke, um arauto da Tolerância - valor muito proclamado mas pouco exercitado. E, por extensão, também o dedicamos a todos aqueles, beatos ou agnósticos, crentes ou descrentes que amanhã, porque não querem repetir os erros do passado, poderão construir um mundo melhor, livre de amarras e sectarismos - beatos ou laicos. Um mundo em que a tolerância anunciada corresponda de facto à tolerância praticada, mesmo entre povos, sociedades e pessoas de raças e cultos muito diferentes. Afinal, temos o direito de ser diferentes mas tratados como iguais...