sábado

Humanizar a “besta”

Nota prévia:
  • Damos aqui eco à proficiente reflexão do sociólogo português mais cosmopolita: Boaventura de Sousa Santos - cuja reflexão se pode ler infra, e com imenso proveito intelctual - como, aliás, todas as suas reflexões. Quando me falam no Mourinho, figos e mais uns cromos conexos - como sendo os "embaixadores" da cultura lusa no mundo dá - compulsando com os verdadeiros valores dos sistemas culturais de que Boaventura Sousa Santos (BSS) é um verdadeiro exemplo - ainda que discordando pontualmente das suas análises neomarxistas que, por vezes, oferecem escassa expressão analítica, especialmente se aplicadas ao sistema de relações internacionais, - uma tremenda vontade de rir.
  • Pobre é um País - quase milenar como Portugal - que tem de recorrer aos cromos da bola para se projectar no exterior. Infelizmente, não há muitos como BSS, talvez por isso a intelectualidade manga-de-alpaca que gere e fixa o agenda-setting politico-comunicacional recorra aos tais cromos da bola para sinalizar Portugal no mundo. Para mim, pouco mais são do que analfabetos com imensa sorte e alguma estratégia. Ah, e têm também imensos contentores para guardar o dinheiro. Talvez o suficiente para fazer o país sair da miséria em que vegeta. Quem sabe se cromos como mourinho e figo e conexos investem no seu país, e não utilizam o seu país ou os truqes pezeiros só para fazer milhões que estão abroad e a capitalizar noutras paragens. Talvez o ICEP devesse pensar em algo para seduzir estes cromos da bola para fazerem algo pelo país que já fez demais por eles.. Fica a sugestão ao ministro da Economia e aos técnicos do ICEP e doutros departamentos comerciais e virados para a atração de investimento.
  • É triste e pobre, mas é assim. Aparte isto, convém meditar na importante reflexão de BSS, está lá "quase" tudo aquilo que o Estado tem e deve fazer para reformar a Administração, emagracer, ganhar músculo e ser mais rápido no complexo xadrez de competitividade em que estamos envolvidos. Tanto mais quando sabemos que a actual crise não é conjuntural mas estrutural, depende duma dinâmica de interrelação de factores - económicos, financeiros, fiscais e de tipo cultural e civilizacional (com o terrorismo em rede à ilharga sempre comprometendo os investimentos, fazendo a economia e as economias ter medo do próprio medo...) que veio baralhar as regras do jogo e introduzir risco e incerteza nas relações políticas e empresariais. Seja entre países, seja entre grandes espaços geoeconómicos de que a UE é o paradigma desgovernado que hoje enfraquece a imagem de grandeza política que deseja ter. O resultado deste gap entre o desejo e a realidade só pode redundar numa esquizofrenia progressiva. Por isso, Portugal inteiro caminha para o divã do psicanalista se a economia não crescer rápidamente e em força, como diria o Botas noutros tempos, e também pensando noutras paragens...
  • Todavia, a reflexão de BSS faz ressaltar que a crise é hoje mais intensa e perniciosa nos seus efeitos destruidores, do que qualquer outra crise anterior. E o mais grave, apesar da relativa esperança do sociólogo - a que modestamente aqui me associo, é que esta circularidade de amplificação dos tais factores de crise - desde logo, pela natureza da classe política que temos tido nas últimas décadas - fazem desta uma crise crónica, uma crise típica de 3ª Idade - em que o doente toma os seus remédios, mas sabe, antecipadamente, que já nem eles nem o putativo efeito-pacebo melhorarão significativamente as coisas: não crescemos o que devíamos, não nos desenvolvemos o necessário e também não nos modernizámos atempadamente.
  • Resultado: estamos todos velhos, filhos e enteados duma globalização infeliz que não procria, repletos de varizes e com imenso colesterol. E temo bem que o efeito-viagra numa economia envelhecida seja o melhor indutor. É porque depois podemos morrer na praia, diante belas mulheres, todos com o mastro (h)asteado - mas também padecendo de ataque cardíaco. E de que nos serve uma erecção episódica quando morremos nesse mesmo instante? De que nos serve sabermos que a economia nacional só fará o seu take-of quando já não tivermos idade, predisposição e interesse para viver a vida como ela deveria ter sido vivida? Como em tudo na vida, mormente na economia, há sempre um tempo para tudo debaixo dos céus... só para relembrar Eclesiastes que nos tem guiado sempre que falha indicador mais visível.
  • E esse entupimento das veias e artérias por onde circula o sangue de Deus - ou o Kapital do Schumpeter que era suposto fazer e refazer o ciclo da destruição criativa na economia portuguesa (que BSS atribui ao Sr. Estado - o pai de todos nós...que paternalismo, meu Deus...) tem sido um Oásis eternamente adiado, ou então um projecto que marcha aos impulsos, sem continuidade e é interrompido pelos sucessivos governos que vão ocupando o poder nesta República à beira mar plantada que se chama Portugal.
  • BSS diz tudo, ou melhor, "quase" tudo. E o quase que ele não disse (ou ocultou, mesmo que involuntária ou inconscientemente) tem, provavelmente, pouca importância. Ainda assim deixamos aqui esse quase que se traduz na tal dinâmica crónica em que falham os dispositivos tradicionais de regulação do Estado, e nas reformas em curso - que são corajosas - e que BSS enquadra numa troika de medidas (1, 2, e 3 - ver reflexão infra). E digo "quase" justamente porque estes dispositivos não têm capacidade para retomar padrões de equilíbrio, de viabilidade e de sustentabilidade na economia e na sociedade. Estendendo a "desgraça" até à esfera da governança política (recorde-se a circunstância de Portugal ter tido nos últimos cinco anos vários governos com mandatos legislativos interrompidos a meio - por Guterres e Barroso - ambos desistiram de Portugal em nome de projectos políticos pessoais e de carreira que os beneficia exclusivamente a eles - e não ao país que era suposto representarem). Mas não vale a pena dissecar este ponto por demais conhecido, e que remete para o foro íntimo e da ambição pessoal de cada um e que são legítimos, mas não em nome de Portugal. Tanto mais que quer um quer outro - traíram a legitimidade popular que neles depositou o mandato a fim de ser concluído até ao fim.
  • É claro que os srs durão e guterres - com letrinha mui pequenina - têm justificação se se lhes aplicar a tal moral de responsabilidade, de matriz maquiavélica, em que o que contam são os resultados (pessoais) ainda que à custa do país que deixaram vagabundo, desgovernando, com crescimento zero. Pior, durão entregou o poder monáquicamente a um lunático que por nada saber fazer na vida - a não ser incendiar congressos do Psd foi para a política, apesar de ser muito apreciado pelos jotinhas que também andam por aí ressabiados por terem perdido quase todas as eleições que o mundo tinha para oferecer. São os chamados autarcas de palmo e meio, que depois da derrota se dedicam aos mestrados e pós-graduações da tanga para fingirem que são gente e que sabe pensar os negócios mais sérios da República.
  • E não tendo o Estado essa tal capacidade de retomar o desejado padrão de equilíbrio - já nem falo de crescimento e de desenvolvimento - ficamos "na mesma como a lesma", ié, continuamos a utilizar a esperança na meretriz do Estado, cremos beatamente que este faça o tal milagre da multiplicação, e essa pareceu-me ser também a crença reformista, porventura, excessiva de BSS. Mas cá no meu íntimo julgo que a razão pela qual continuamos a ter essas crenças, demasiado irracionais na capacidade do Estado - apesar de dar emprego a muita gente - sobretudo aos funcionários que celebraram com ele um contrato vitalício e falam com a arrogância de quem tem a manjedoura servida de alfaces, cenouras e de nabos para sempre a tempo e horas, - resulta duma coisa simples: não dispomos de outros dispositivos que prometam as mesmas coisas e de fazer reviver o paraíso na terra, ainda que depois andemos todos a comer batatas espanholas porque são mais baratas.
  • Tudo resumido, procuro significar o seguinte da brilhante reflexão do sociólogo mais cotado da nossa praça e arredores. "Arredores" aqui é o mundo, Atenção... Respeitinho, que é muito bonito, como dizia o A. O'Neil, se não era ele era outro, estoutro que me perdoe...
  • De facto, já se sabe que o Estado não faz maravilhas, faz é despesa paga pelo contribuinte. Como se depreende da lógica argumentativa de BSS e da catadupa de reformas que o Leviatão tem em curso -. Mas se não faz maravilhas, e nem empregos consegue gerar, e só a muito custo viabiliza investimentos para o burgo, cujos efeitos demoram no tempo - a revelar a sua face mais humana, não será o sociólogo demasiado optimista naquele diagnóstico, já que o tronco da sua argumentação assenta nos resultados esperados e no sucesso daquela troika de reformas levadas a cabo pelo Estado?! De facto, nunca pensei que a fé de BSS no Estado e na sua capacidade reformista e criadora fosse superior à fé de Paulo Portas na nossa Senhora de Fátima.
  • Dito d 'outro modo: o "cego" - (leia-se, zé povinho que, regra geral, se faz acompanhar do gesto do Bordalo PInheiro, pois é o único poder simbólico que lhe resta, fazer o manguito e recolher o rabo e guardar-se em casa e votar em carneirada quando há eleições) - já sabe que esses tais instrumentos políticos, administrativos e regulatórios do Estado valem tanto como a credibilidade de Santana LOpes no mercado político e das ideias interessantes para o país; o cego sabe que os dispositivos do Estado não produzem os resultados esperados, mas não "lhe" resta (a todos nós, zé povinho..) arranjar outras promessas porque sabe(mos) que não há outros actores ou agentes do poder capazes de induzir mudança, quebrar rotinas, enfim, alterar o padrão de ordem política, social, económica e cultural em cujo marasmo altamente recessivo caímos desde há meia dúzia de anos a esta parte.
  • É por isso que acho o artigo de BSS um excelente contributo para o diagnóstico do desastre em que estamos, mas de baixo valor revolucionário, salvo se o Estado se propuser fazer aquilo que o grande Belmiro lá do Norte vem dizendo há anos: reformar o Estado, este Estado, implicava despedir cerca de 200 mil funcionários. É que grande parte da receita do Estado é logo comida para o pagamento de salários, e num país onde o Estadão não é produtivo e alimenta inúmeras clientelas e corruptelas sempre ávidas de mais e mais contratos sangrentos para o erário público - o empresariado também não alinha. Ou melhor, se alinha é à conta, como bem sabemos, de imensas fugas de capitais a que o fisco jamais conseguirá deitar mão, até porque os mecanismos corruptores sempre andaram mais rápido do que a lenta e inerte capacidade inspectiva das leis e dos procedimentos conexos que à sombra delas se respalda. Sem querer ser demagogo, e sem conhecer toda a questão, aliás, ninguém conhece salvos o visado e comparsas que simularão a marosca, o recente caso Carrapatoso da Vodafone, passe a Pub. é um exemplo de como as coisas jamais deveriam passar-se num país dito moderno da UE.
  • Releio o artigo do grande BSS, e vejo tamanha esperança e optimismo ao mesmo tempo - que fico logo desconfiado. E é esta mania que me persegue e interpela: será que o mesmo sociólogo vaticinaria a coisa nos exactos termos caso se tratasse dum governo de centro-direita?! Fica a questão, até proque o sociólogo de Coimbra, ou melhor, do mundo, ora trabalha com um ora com outro, e é estimado por todos no espectro político, e até foi o pai-espiritual dum partido que anda por aí com agendas abortivas como é o BE.
  • Em face de todo o exposto, concluo: por mim tentarei sempre evitar o erro do curandeiro que acredita na sua própria propaganda. E aqui, nesta sociedade lusa em que nos encontramos - que mais podemos fazer senão gerir a nossa convalescença??? Mas mais do que o remédio que damos ao doente, sob a forma de artigo na Visão ou no Jornal do Fundão ou num outro qualquer pasquim em Freio de Espada à Cinta - é a sociedade, na plenitude do seu tecido conjuntivo, que deve ter a capacidade de regeneração quando confrontada com esta crise múltipla (porque fiscal, económica, social e até moral, de que o caso pedofilia mais nos deu a conhecer pela lupa do Finantial Times...) que nos tolhe.
  • Hoje, creio, pouco mais nos resta do que tentarmos identificar o que, nessa amálgama de complexidade que flui pela Europa e mundo, representa o que é permanente e aquilo que é mera transição, e ver a partir daí o que Portugal - que é muito mais do que o sr. Estado... - poderá fazer para contribuir para a formação do novo padrão de ordem e de desenvolvimento inaugurando, nesse trajecto, também uma nova configuração política.
  • Mas temos de ser sérios: Sócrates tem tido coragem e determinação para romper com a letargia existente. Veremos se esses frutos geram uma boa sementeira a curto e médio prazos. Como diria a minha avó: nem sempre o Diabo está atrás da porta; o problema é se atrás da porta não está ninguém...
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  • Humanizar a “besta” Pela 1ª vez na história o capitalismo apresenta-se sem gerar emprego nem desenvolvimento económico e social. Porque será que isto acontece? À primeira vista esta constatação parece paradoxal, pois nunca como hoje o desenvolvimento tecnológico; a valorização da competição e da livre iniciativa, ou seja, o império da lei, foram tão vincados. Mas ao lado desse activo da globalização feliz parece sobrepor-se um passivo da globalização negativa, com custos dramáticos na vida das populações. Esse passivo decorre, sobretudo na Europa (alargada), uma vez que nos EUA a crise é mais atenuada, da transposição problemática da ética protestante e calvinista que formatou o espírito capitalista em toda a área do Ocidente.
  • Na prática, todos aqueles países que importaram este modelo de capitalismo made in USA, incorporando nele apenas a sua dimensão económica, com prejuízo da dimensão social, estão hoje com inúmeros problemas sociais que tolhem o seu modelo de desenvolvimento. I.é, a liberalização dos mercados, a privatização dos serviços e a globalização competitiva - sem os correspondentes contrapesos sociais e culturais – acaba, necessariamente, por infligir danos sociais dramáticos às populações menos equipadas do ponto de vista cultural, social e tecnológico. Pois é aí que as resistências às mudanças se fazem mais sentir. Portugal é um desses exemplos.
  • Que fazer, então, para disciplinar e humanizar os efeitos nefastos desse capitalismo selvagem? Julgamos que a resposta mais adequada consiste em fortalecer as instituições da sociedade civil, ajustando aquela ética protestante, sistematizada por Max Weber, às necessidades de cada país. Isto é, à lógica neoliberal, que o Consenso de Washington (sob intensa contestação mundial) reforçou, deve-se sobrepor a ética personalista e uma visão culturalista a fim de resolver os principais problemas de cariz social. Sob pena de eclodirem descontentamentos sociais em cadeia resultantes de acumuladas frustrações económicas derivadas daquele “consenso”.
  • Neste enredo algo terá de ser feito para renovar o capitalismo dos vencedores – que enchem os cemitérios de empresas falidas e de milhões de desempregados em todo o mundo. Mas, por outro lado, também não se vislumbra como é que os “vencidos” deste processo desigual possam fazer o turn over da situação e criar um novo sistema. As desigualdades sociais agudizam os conflitos religiosos, e ambos criam um caldo de cultura que leva ao terrorismo em rede (catastrófico, globalitário e suicidário) de que já temos amarga experiência.
  • O que nos remete para outra questão: qual a configuração política emergente do Estado? Aqui temos uma bifurcação: continuar a ser a velha e pesada estrutura burocrática que faz de conta que ainda é um Estado-Providência; ou, como parece mais credível, articular os seus interesses e os seus recursos com os da sociedade civil no sentido de abrir uma frente comum em vista às reformas a concretizar. Na saúde, na educação, na justiça, no mercado, etc.
  • A arte desta magna reforma estará, porventura, na harmonização das agendas e dos interesses de todos esses players: Estados e actores privados. E todos eles comungando do valor da competição baseado no pluralismo dos valores ocidentais e no conjunto de direitos que informam o rule of law.
  • Conseguir esta reforma das reformas seria, afinal, renovar as regras do próprio sistema político (económico e social) europeu. Seria reformar o Estado de Bem-Estar que hoje agoniza na antecâmara da morte. Seria, por fim, casar a ética liberal com a ética de responsabilidade social, num ajustamento de Estado-sociedade-mercado fortalecendo as instituições da sociedade civil, já com o Estado emagrecido, mais musculado, racional, enérgico e eficaz.
  • De molde a que os verdadeiros inimigos sejam, na realidade, os problemas económicos e sociais, potenciados por aquela cultura de imitação incompleta (e desumanizada) que a Europa bebeu da criatura que, historicamente, gerou: a ética calvinista que fez da América o país mais rico do mundo perante o espanto da Europa. O problema está em disciplinar e humanizar a “besta”.