segunda-feira

A universidade, o coelho e o leão

  • Este pequeno texto, de 2004, é apenas uma pequena reflexão que serve de introdução para um outro artigo de maior fôlego. Um artigo, no meu modesto entender, que poderia dar um sólido ensaio. E depois, se o autor tivesse forças, motivação e uma profunda determinação, transformar o argumento - que é real e pulula amiúde na universidade portuguesa no séc. XXI - num romance. Quem sabe, numa fase posterior, poderia ser levado à cena e representado numa peça de teatro bem perto de si... Portugal agradecia. Não só a peça de teatro, mas também ajudaria a "varrer" a velharia cabotina e persecutória que ainda se arrasta nos corredores das universidades nacionais com um único fito: impedir que o regime da meritocracia vingue sobre o sucessivo nepotismo e corrupção d'almas que esses velhos reitores, frustrados da política, multiplicaram nas últimas décadas em Portugal. Gente que não escreve, não produz, só crítica, veta e persegue. Daí a importância da nova geração de catedráticos, modernizados e abertos ao exterior, produtores de conhecimento, e adaptados às novas TIC e senhores da blogosfera, onde também vigiam e criticam os velhos poderes. Estes - juntamente com os velhos senhores feudais da Academia - tendem a desaparecer. A reflexão do Doutor Elísio Estanque, que já publicou esta reflexão e me autoriza aqui na sua republicação, é um eficiente ponto de partida. Um diagnóstico lúcido, realista que ajuda a encontrar respostas. Respostas que podem antecipar soluções que o País tanto precisa. Encarar esta questão de frente é, também, dizer basta à hipocrisia e aos interesses instalados nos corredores dos edifícios que deveriam servir a ciência, a educação, a cultura, enfim, a busca da VERDADE. Mas qual verdade?
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  • Quando penso na Universidade portuguesa recordo a tese do coelho que faz o doutoramento e tem boas condições para o concluir, por contraste com as condições de trabalho dos investigadores portugueses. O papel da universidade é, hoje, parecido ao da Igreja ou ao das Forças Armadas, instituições que já tiveram a sua relevância na articulação do simbólico com o imaginário dos portugueses. Sendo factores detonadores de modernização e mudança política, reforçando a coesão e a identidade nacionais, hoje em crise.
  • Nas actuais condições, a universidade já não pode exercer aquele papel estruturante na história nacional. Hoje tudo se complexificou, a sociedade portuguesa é mais conflitual e está ameaçada por desequilíbrios que deixou acumular e não têm fim à vista. Só muito pontualmente, a universidade é vista como um centro de racionalização estratégico e de produção de conhecimento com capacidade autónoma e homens qualificados em I&D, quais filtros na avaliação dos quadros de possibilidades do sistema económico, social e cultural.
  • A declaração de Bolonha, que visa dar mobilidade e uniformidade ao ensino universitário europeu, também não é garante de qualidade que inverta a situação. Dito isto, conclui-se que a Universidade em Portugal está a regredir na proporção directa do défice de crescimento estudantil, agravado com as universidades-cogumelos que proliferaram na década passada numa manifestação paradoxal do exercício do poder.
  • Para os novos investigadores a universidade não é senão uma plataforma de gestão de carreiras universitárias dos seus próprios funcionários; e não um centro de produção e formação de massa crítica para desenvolver o país. Assim, desaparece a sua clássica função de responsabilidade pelo conhecimento produzido, dissolvendo-se também a sua missão de vigilância crítica sobre a evolução da sociedade, que hoje só existe como pressão corporativa dos interesses organizados e das conveniências do momento, integrados nos órgãos académicos que vivem da endogamia, da cooptação e do tradicional fechamento ao exterior num esquema de auto-referenciação paroquiano.
  • Privada da função de vigilância crítica sobre a trajectória da mudança, a universidade perde identidade e deixa de poder avaliar o quadro de possibilidades para o futuro. O país fica limitado nos seus centros de racionalidade e inovação, colaborando silenciosamente na ocultação dos seus problemas que atiram Portugal para uma crise de viabilidade, sustentabilidade e até de governabilidade por ausência de elites políticas.
  • Esta paz podre, feita de encobrimento e ocultação egoístico-corporativa dos problemas, existe na academia. De que até são co-responsáveis os próprios media, centros produtores de informação e difusão de notícias para as multidões. Seleccionando só aqueles acontecimentos que oferecem um maior potencial mediático em termos de receita publicitária, só garantindo coberturas quando há conflitos entre as Associações e a tutela numa lógica populista para gáudio das audiências.
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  • Recordo a fábula do coelho que um dia dá de caras com uma raposa (que saliva) e lhe pergunta o que ele faz ali! O coelho responde que faz a sua tese de doutoramento. A raposa inquire qual é o tema, e o coelho-doutorando diz que é sobre uma teoria que prova serem eles os verdadeiros predadores e não as raposas. Indignada a raposa achou a ideia ridícula chamando a si essa função de regulação da cadeia alimentar. Então, o coelho levou-a à sua toca, local da prova experimental. Após estranhos ruídos, segue-se um silêncio assustador e o coelho sai da toca para retomar a redacção da sua tese.
  • A história repete-se com o lobo (esfomeado), que o coelho conduz à toca para igual prova. Após ruídos e uivos, o coelho sai da toca como entrou. Só que dentro da toca, tal como no interior da Universidade, vêem-se duas enormes pilhas de ossos ensanguentados: uma de ex-raposas e outra de restos mortais de lobos. E ao centro vê-se um leão satisfeito e bem nutrido a palitar os dentes.
  • Quando se olha para a Universidade portuguesa não importa o tema ou a qualidade da tese, o que importa é quem é o leão (God father) que cada um tem no seu interior..
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