quinta-feira

Revolução (espiritual) sem finalidade e sem projecto

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  • As televisões mostram-nos milhares de homens, uns crentes, outros alienados, outros ainda em férias porque são turistas permanentes, a adorar o novel Papa Bento XVI. Todos, decerto, buscam uma experiência espiritual que os enriqueça e valorize. Alguns jornais, como o Diário de Notícias, que ainda não colocou cadeados nos seus artigos de opinião na Net, sistematiza 10 desafios para Ratzinger: Ecumenismo, Media, Moral sexual, Sacerdócio, Modernidade, Fé e doutrina, Universalidade, Autonomia, Democratização e Descentralização. Além de redutor, é bonito ver este decálogo. Tanto desafio para tão pouco tempo…
  • Contudo, talvez valesse a pena meditar no sentido de que tudo é relativo, pondo em evidência o pensamento do teólogo e intelectual Joseph Ratzinger com o de outros filósofos, cientistas, escritores e pensadores que construíram os pilares de funcionamento do séc. XX. Assim, para Bento XVI a condição de que tudo é “relativo” é “andar ao sabor dos ventos, das várias correntes e ideologias”. I.é, segundo o Papa “estamos a avançar para uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como certo e que tem como objectivo central o próprio ego e os próprios desejos”.
  • Ora se tudo se vai envolvendo num paulatino cepticismo, o resultado só pode ser: revolução sem finalidade e sem programa, sem vencedores e sem vencidos. É perante este individualismo da morte, mitigado com o desabamento axiológico que produz vidas vazias, com dramas, perturbações e tragédias, que caminhamos para a metafísica do nada. Devido à morte dos ideais, à publicidade angustiante, à permissividade do homem e à superabundância de tudo o resto. São estas existências sem aspirações que conduzem à ideia de que tudo é relativo.
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  • O relativismo é enteado da permissividade, um mecanismo de defesa que Freud estudou e definiu de forma geométrica. Nada é absoluto. Nada é bom ou mau. Desta tolerância interminável nasce a indiferença pura. Se fotografarmos a política contemporânea, o que vemos? Senão esse código do relativismo ético, dos fins a todo o preço, da “sacanagem”, da sondagem, da ditadura micro-regional disfarçada de democracia, do consenso. Se há consenso a lei passa. O mundo e as suas realidades são submetidos a um constante plebiscito. O importante é a opinião da maioria em relação a qualquer uma das matérias do decálogo.
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  • Não se percebe bem o que quer dizer...
  • Só que por vezes o homem de Deus e o homem de César reencarnam na apoteose da incoerência, defendendo hoje o que criticavam há 20 anos. Ratzinger e Durão Barroso são postais ilustrados (na fé e na política) dessa (r)evolução, porque o mundo mudou, e eles não podiam ficar parados no tempo e no espaço. Então, onde pode o homem firmar os pés? Onde irá buscar apoios firmes e sólidos? Já vimos que o homem hedonista cai no relativismo. Padece da melancolia do new look, vive rebaixado ao objecto que o manipula, é apático ante as essências. Em suma: não é feliz.
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  • Mas será que toda esta paisagem interior do homem é tiranizada porque não ouviu o diagnóstico de Ratzinger!? Cremos, contudo, que a coisa é mais funda. E se o homem hoje padece do tal relativismo é porque não se preocupa verdadeiramente com a justiça, nem com os velhos temas do existencialismo, tratados por Sören Kierkegaard, Martin Heidegger, J. P. Sartre, A. Camus, nem com os grandes temas do pensamento (a liberdade, a verdade, o sofrimento). De entre aqueles milhares de homens que esbracejavam para aclamar o Papa – qual deles - lê Ulisses de J. Joyce ou Em busca do tempo perdido de Marcel Proust, ou as novelas de H. Hess, ou ainda as teorias de S. Freud? Talvez Ratz…
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  • Um homem assim só quer postais ilustrados e bonés com a foto do Papa. Sem apoio afunda-se. Por isso vemos aqueles braços e mãos perdidos na Praça de S. Pedro, em espasmos famintos de verdade, de justiça, de amor genuíno. Mas esse vazio moral pode ser corrigido com humanismo e transcendência, i.é, alguém (qui ça o Papa) tem de dizer ao homem que só há verdadeiro progresso se ele desenvolver a sua chave-moral.
  • O problema é que a pátria do homem são as suas ilusões. A vida é sempre antecipação e porvir. Somos projectos. O homem é, sobretudo, futuro. E o futuro a Deus pertence...
Todos nós procuramos o sentido da vida. Para muitos esse sentido pode residir nas palavras de Roberto Crema, para outros está na busca incessante de Deus, para outros ainda está, ou pode estar, numa reserva resultante da tal safra que Ratzinger falava... apresentando-se como um humilde cultor das vinhas de Deus. Veremos a qualidade da reserva...
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