quarta-feira

O Arquitecto José António Saraiva e a lição do "Expresso"

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  • A maior parte dos nossos gestos é um desdobramento da nossa personalidade. Ao escrever um livro, um artigo o autor tem de esquecer os milhões de livros e artigos que encerram argumentos análogos aos dele. Vem isto a propósito de um tão interessante quanto fascinante livro político editado pela D. Quixote: Confissões de Um Director de Jornal – nos bastidores do Expresso e do Poder pela pena cartesiana de José António Saraiva (JAS).
  • De facto, o livro é magnetizante e lê-se num fôlego. Além de bem escrito oferece um estilo muito pessoal e um conjunto de pequenas histórias que caracterizam bem a maneira de ser lusa. Sobretudo, pela negativa invocando os pecados capitais com que Camões terminou Os Lusíadas: a inveja. Retrata 20 anos de história Política à portuguesa (1983-93).
  • Uma história que se confunde com os empolgantes jogos de poder, corsi e ricorsi, que não serão muito diferentes dos praticados pelos partidos políticos e pelos vários projectos e personalidades que passaram pela comunicação social e fizeram a história do nosso tempo: arranque do Expresso, criação do Público, da SIC, os anos do cavaquismo e o mais.
  • Antes de exemplificar louvo o talento, o carácter e a frontalidade com que o autor trata os actores políticos e os seus colegas de profissão. Diz o que pensa em voz alta e, por isso, a maioria dos nossos políticos sai um pouco machucada na fotografia. Não raro a leitura é divertida, por vezes surpreendente. Mas perpassa em todo o livro um traço de realismo sociológico, geneticamente queirosiano, qui ça aproximando-o do legado cultural deixado por António José Saraiva, seu Pai, que nos ajudou na filosofia da cultura através d’ As Ideias de Eça de Queirós (Gradiva) a perscrutar o carácter dos vários Condes d’Abranhos que ainda pululam na sociedade portuguesa.
  • A genialidade do livro (que não conta só a história do Expresso) está na sua pequena dimensão e no tremendo volume de informação que transmite. A sua estrutura também facilita a tarefa: a infância, o exílio e o legado cultural do Pai, a ideologia, a arquitectura, depois o mergulho no jornalismo político com as relações de transformação e resistência com Vicente Jorge Silva, Augusto de Carvalho, Joaquim Vieira, as lutas de poder no Expresso, as relações com os políticos (Constâncio, Eanes, Soares, Cunhal, Freitas, Marcelo, Cavaco, Sampaio). Tudo misturando sentimentos primários (orgulho, ambição, inveja, ciúme, despeito) com políticas públicas.
  • Da análise desses protagonistas resultaram coisas concretas, processos sociais e interacções políticas que acabavam depurados e reduzidos ao osso analítico das suas influentes crónicas. Vejamos alguns exemplos do livro: um dia JAS (com outros jornalistas) foi convidado para ir almoçar a Belém com Mário Soares recém eleito. A dada altura um dos colegas incita-o a contar um episódio ali passado com JAS. Este começa a narrativa, mas Soares não está interessado e a meio da história resolve o assunto dizendo que no dia seguinte vai almoçar com Olof Palme. Todos perceberam que Soares queria falar de si e não ouvir os outros (p. 69).
  • Situação mais hilariante passou-se com João Carreira Bom (que conheci em Benfica e de quem guardo um simpático cartão pessoal elogiando o meu livro) quando este escreveu uma nota sobre um flirt de André Gonçalves Pereira com uma decoradora do jet set. A nota não teve importância, salvo a frase final: onde se dizia que o flirt não terá grandes consequências visto que Gonçalves Pereira só tem “o gosto pela fotografia” (p. 128).
  • Outro episódio ocorre quando um jovem jornalista entra para o Expresso mas a primeira coisa que diz ao director é que não quer fazer carreira como jornalista, mas como político. O jornalismo seria o laboratório que lhe permitiria ver como as coisas se fazem para, quando fosse político, saber como manobrar os jornalistas. Por inadaptação, o Expresso tencionava dispensá-lo. Eis se não quando aquele diz que se vai embora.. porque tem um convite para a revista Sábado. Esse jovem é Isaías Gomes Teixeira e uns anos depois seria director de “O Independente” (p. 139).
  • Noutra passagem a jornalista Teresa de Sousa, porque achava que JAS só a mandava fazer trabalhos menores, apareceu no seu gabinete, no dia do fecho, com um balde e uma esfregona na mão (p. 153); em 95 JAS encontra-se com o actual PM, Durão Barroso. O objectivo do almoço era acertar a sua colaboração no Expresso, ficando um artigo mensal na Revista. Depois de discutir o pagamento, pede 200 contos por artigo (p. 221). É caso para dizer que melhor escrevo eu e faço-os de borla…
  • JAS é um arquitecto, um construtor mas sobredotado de uma excepcional imaginação sociológica. Isso faz dele o maestro da crónica, aperfeiçoando a pedra bruta em pedra cúbica e com isso interage na política tornando-se uma pedra desse próprio jogo. Um jogo dum Templo em que ele se torna peça importante. A sua arte e técnica reside na redução da complexidade dos fenómenos sociais. E não raro a sua lógica é de tal modo previsora que é capaz de construir os factos da semana seguinte.
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